No centro de Castanheira de Pêra foi montado um verdadeiro centro de comando. A partir dali, de uma escola primária desativada, foi coordenada a missão de apoio à população do concelho afetada pelo mais trágico incêndio de que há memória no país. Foi também ali que começou a colaboração da Associação dos Escoteiros de Portugal. O que iria ser uma ajuda pontual tornou-se num trabalho de doze dias que envolveu cerca de 150 escoteiros de norte a sul do país.
A 21 de junho, o primeiro contributo saiu do Parque Nacional de Escotismo na Costa de Caparica. Uma carrinha com camas, colchões e beliches que, curiosamente, sempre estiveram destinados a Castanheira de Pêra. Iriam equipar o futuro campo escotista do Poço da Corga, a quatro quilómetros do centro da vila. Jamais poderia imaginar-se que, em vez disso, chegariam mais cedo e com outra função: encher as antigas salas de aula para servirem de dormitório aos voluntários da missão de emergência.
Naquele dia, a escola ficou limpa e equipada graças a pouco mais de uma dúzia de mãos. A tarefa estava aparentemente terminada, até aparecer a grande responsável pelos dias que estavam por vir: a Médicos do Mundo, uma organização não-governamental de ajuda humanitária. Sob a sua direção, estava a começar uma operação logística para tentar ordenar o caos que o fogo deixou e a AEP foi chamada. Para Carla Paiva, diretora executiva da ONG, foi uma “mais valia” a colaboração de jovens que “sabem muito bem receber orientações e colocá-las em prática”.
André Maneiras, 19 anos, foi um dos primeiros a chegar. “Na viagem de autocarro vinha um bocado triste por dentro, por ver tudo ardido. Não conseguia ver nada verde”. A vontade de ajudar foi maior do que isso: “poder falar com os bombeiros, poder alegrar os bombeiros, que são a força maior desta ocasião, foi isso que me deu força”, conta o escoteiro de Queluz. Como ele, perto de 150 jovens e adultos da AEP passaram por Castanheira de Pêra.
“Respondemos perante a Médicos do Mundo e a Proteção Civil camarária. Eles atribuem-nos tarefas”, explica Filipe Campêlo, o Dirigente que coordenou os jovens voluntários durante uma semana. “Constituímos as equipas em função do trabalho previsto”, acrescenta. Filipe veio de Beja com alguns dos seus escoteiros. O grupo que lá coordena trocou um acampamento por esta missão. “Isto é mais importante. O escoteiro tem de estar sempre pronto”, justifica Raquel David, também do grupo do Alentejo, que esteve em duas visitas de campo e falou com quem viu o fogo demasiado perto. “Mal nos vêem, começam a chorar. É um desespero…As pessoas estão em choque”. Aos 19 anos, foi capaz de ter uma palavra a dizer: “nós temos de conseguir estar lá, apoiar e não ir abaixo. Temos de mostrar que o que se safou foi a vida. Eles têm de pensar nisso!”.
Às palavras, juntaram-se as ações. No quartel dos bombeiros, os jovens serviram refeições aos voluntários; no pavilhão desportivo, ajudaram na triagem da roupa doada. Pelas aldeias, limparam terrenos, reconstruíram telheiros e galinheiros, integraram equipas multidisciplinares nas visitas à população. Beatriz Pinto, de Sintra, ajudou em várias tarefas, incluindo na preparação de kits de alimentação para as famílias afetadas ou para quem lhes fizesse chegar o essencial. “Às vezes, eram outras pessoas que vinham e sabiam ‘são três adultos e duas crianças’ e nós púnhamos um pouco de tudo – leite, salsichas, arroz, legumes também e fruta”.
Em Castanheira de Pêra, um pequeno concelho com 3200 habitantes, arderam 64 casas e 75% da mancha florestal. Um cenário que choca quem quer que chegue, sobretudo, quem está habituado ao contacto muito próximo com a natureza. “Pela televisão, não parecia tão mau. Depois é que vimos mesmo a realidade”, conta a escoteira de Sintra. Foi essa “realidade” que se tornou numa aprendizagem para os jovens da AEP. “O que eles aprendem neste período de tempo – quatro, cinco, seis dias – acho que vão levar para a vida inteira. Vão lembrar-se para sempre”, admite o chefe Filipe Campêlo.
Quase no fim da estadia, Fernando Lopes, presidente da câmara de Castanheira de Pêra, disse que os escoteiros começavam “a deixar alguma saudade”. “As pessoas já começam a perguntar quando é que vão embora. Naturalmente, porque se sentem bem com os escoteiros aqui”. Agora, os escoteiros já lá não estão (a missão terminou a 2 de julho), mas, certamente, vão voltar e por motivos mais felizes. Até porque, junto à praia fluvial do Poço da Corga, está a dar os primeiros passos um novo parque escotista, pronto para recebê-los.
Texto de Joana Monteiro